Os povos indígenas e o movimento popular do Movimento de Resistência Indígena, Negra e Popular “Brasil Outros 500” viveram hoje momentos de terror. A passeata prevista como encerramento do encontro foi violentamente reprimida por um batalhão do pelotão de choque e da cavalaria da Policia Militar do Estado da Bahia, sob as ordens do governo do Estado e do governo federal. A manifestação pacífica foi organizada pelos povos indígenas e contava com a participação de representantes de movimentos sociais, das senadoras Marina Silva e Heloísa Helena, do presidente do Partido dos Trabalhadores, José Dirceu, do bispo de Goiás Velho, de d. Tomás Balduíno e do presidente do Cimi, d. Gianfranco Masserdotti.
A passeata começou às 11h30. Seguia em direção à Porto Seguro, tendo à frente os Xavante e os 2000 índios de 140 povos que participaram da Conferência Indígena. O pelotão do policiamento de choque estava esperando o grupo 4 Km depois e sem que houvesse qualquer tipo de aviso ou de provocação, iniciou o ataque atirando bombas de gás lacrimogênio, bombas de efeito moral e balas de borracha. Os disparos atingiram várias lideranças indígenas, inclusive crianças, e participantes da marcha. Não se sabe ao certo o número de feridos. A Fundação Nacional de Saúde calcula ter atendido mais de 30 pessoas com ferimentos leves e sintomas de envenenamento. Um índio Xukuru Kariri teve as duas pernas queimadas e seis indígenas foram hospitalizados.
O confronto
Foram momentos de terror. Segundo a coordenação da Conferência, os militares já haviam liberado a passeata, mas em seguida os policiais do batalhão de choque avançaram sobre a multidão entoando gritos de guerra, pisando forte e atirando em direção ao grupo.
Trinta missionários foram detidos. O Juiz Ailton Pinheiro, da comarca de Santa Cruz Cabrália, exigiu a liberação do grupo, mas ao tentar se retirar, os missionários foram novamente detidos pelo coronel Müller que deu ordem para o bloqueio da estrada. Iniciou-se uma forte discussão entre o juiz e o coronel. O juiz Ailton Pinheiro deu voz de prisão ao coronel Müller e foi desacatado. Com arrogância, o coronel questionou quem iria prendê-lo. No mesmo momento o juiz foi cercado por quase 400 policiais. Os detidos só foram liberados após muitas horas de negociação.
Do outro lado da cidade o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso e o presidente de Portugal cumpriam candidamente a agenda de festejos. Cardoso cancelou a agenda prevista para Coroa Vermelha alegando que os índios “voltaram atrás no convite feito à Presidência”. No dia de ontem a Conferência Indígena decidiu não se encontrar e não entregar nenhum documento ao presidente da República por considerar que a data de hoje é simbólica e um encontro com o governo federal significaria adesão à festa já rechaçada pelos povos indígenas. Pelas declarações de Fernando Henrique é possível perceber que a decisão da Conferência acirrou os ânimos.
As delegações indígenas que participaram da Conferência Indígena decidiram elaborar uma documento-denúncia à Procuradoria da República para relatar todas as atrocidades da polícia baiana, que atingiram também o movimento negro, acampado próximo à Coroa Vermelha. Ainda revoltados com a violência, os povos indígenas retornaram na noite de hoje aos Estados.
Santa Cruz Cabrália, 22 de abril de 2000
Comitê de Preparação à Conferência Indígena