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Batalha pelos direitos indígenas recomeça no Supremo Tribunal Federal

A luta contínua contra o “Marco Temporal” e a escalada da política anti-indígena

18 de janeiro de 2024 | Ana Carolina Alfinito e Ester Oliveira | De olho na Amazônia

No Brasil, a situação atual dos direitos e territórios indígenas é confusa para observadores externos. 2023 será lembrado como o ano em que o Supremo Tribunal Federal finalmente concluiu o Prazo julgamento após mais de uma década de processo e consideração, e declarou explicitamente que este ataque fundamental aos direitos indígenas era inconstitucional. Na época, esta foi saudada como uma vitória importante e definitiva que avançaria imediatamente no reconhecimento de muitos territórios indígenas. 

No entanto, ao entrarmos em 2024, encontramo-nos num cenário estranhamente familiar: o Prazo tese retornou ao Supremo Tribunal Federal para reconsideração. Mais uma vez, o movimento indígena, os ambientalistas e a sociedade em geral observam enquanto o mais alto tribunal do Brasil se prepara para decidir – mais uma vez – sobre a constitucionalidade da doutrina. Como chegamos aqui?

O que é a Prazo?

A "Marco Temporário”  tese é um ataque político fundamental contra os direitos às terras indígenas liderado pelo reacionário setor do agronegócio brasileiro, iniciado imediatamente após a aprovação da reforma do Código Florestal em 2012. Prazo serve como sua principal ofensiva jurídica, apresentando uma ad-hoc argumento jurídico que afirma que os povos indígenas que não estavam presentes em suas terras no momento da ratificação da Constituição Federal em 5 de outubro de 1988 não têm direito ao reconhecimento de suas terras tradicionalmente ocupadas. Notavelmente, esse corte temporal nunca foi mencionado na Assembleia Constituinte Brasileira de 1987-88, nem é encontrado no texto da Constituição ou em qualquer legislação. É uma invenção do agronegócio, um projeto político violento que busca validação jurídica para roubo de terras indígenas 

A rejeição do Supremo Tribunal Prazo tese foi sem dúvida a vitória mais significativa do movimento indígena no século XXI. Marcou o culminar de anos de organização popular, lutas legais e mobilização. No entanto, a batalha pelos direitos indígenas se desenrolou simultaneamente no Congresso Nacional, onde a bancada do agronegócio detém uma maioria esmagadora. Poucos dias depois de o tribunal ter declarado Prazo inconstitucional, O Congresso aprovou o projeto de lei 2903, que não só reafirmou a tese que acabava de ser derrubada, mas também introduziu várias novas propostas que são explicitamente hostis aos direitos constitucionais e aos meios de subsistência dos povos indígenas. 

Para ser claro, o Projeto de Lei 2903 representa uma escalada radical nos esforços do agronegócio para minar o quadro constitucional e legal que salvaguarda os direitos indígenas. Numa inversão completa da lógica intercultural incorporada na Constituição Federal do Brasil, o projeto de lei autoriza o plantio de culturas OGM em territórios indígenas. Também permite a construção de projetos de energia e outras infraestruturas nesses mesmos territórios sem procurar a consulta e consentimento dos povos indígenas. Além disso, flexibiliza a política de não contacto com os povos indígenas em isolamento voluntário e capacita o governo a recuperar terras indígenas demarcadas, afirmando que os grupos indígenas já não aderem aos seus costumes tradicionais, entre outras disposições abomináveis. 

Após o processo legislativo, o projeto foi submetido à revisão presidencial. Presidente Lula da Silva vetou 47 de seus dispositivos, eliminando assim uma parte substancial (embora não toda) do seu conteúdo anti-indígena. No veto, o presidente considerou explicitamente a Prazo e inúmeras outras disposições inconstitucionais. 

No entanto, em 14 de dezembro, numa ousada manobra política orquestrada pela bancada do agronegócio, a maioria dos deputados e senadores votou pela anulação de 41 desses vetos, incluindo o Prazo provisão. O Congresso apenas manteve os vetos do presidente Lula em relação à retomada de terras indígenas para alteração de traços culturais, ao plantio de transgênicos em terras indígenas e ao contato com povos isolados. Em 28 de dezembro, o projeto de lei modificado foi publicado como Lei Federal 14.701, constituindo o ataque mais radical contra os direitos indígenas desde que a democracia foi restaurada no Brasil. 

O que vem depois?

Tudo isto levou ao ponto onde nos encontramos agora: travando novamente a mesma batalha perante o Supremo Tribunal. No dia em que a Lei Federal 14.701 entrou em vigor, três partidos políticos de direita entraram com uma ação pedindo ao Tribunal que reconhecesse sua validade, anulando essencialmente sua própria decisão de que Prazo é inconstitucional. O Ação Declaratória de Constitucionalidade 87 foi atribuído ao ministro Gilmar Mendes, conhecido por sua estreita ligação com o agronegócio e por decisões antiindígenas. Os partidos Liberal, Progressista e Republicano argumentam que a lei aborda uma disputa política significativa e solicitam ao Supremo Tribunal que afirme a sua constitucionalidade, especialmente no que diz respeito a secções que foram vetadas pelo Presidente e posteriormente anuladas pelo Congresso.

O movimento indígena e os partidos políticos progressistas também apresentaram petições activas ao Supremo Tribunal. Nos últimos dias de 2023, foram ajuizadas três ações de revisão constitucional, instando o Tribunal a declarar não apenas a inconstitucionalidade do Prazo mas também das demais cláusulas constantes da Lei Federal 14.701. O primeiro deles ternos foi ajuizada pela APIB e por dois partidos políticos – PSOL e Rede Solidariedade – visando a declaração de toda a legislação como inconstitucional e, portanto, inexequível. De acordo com a APIB, a Lei Federal 14.701 não só aumentaria as violações de direitos e a violência contra as comunidades indígenas, mas também levaria à degradação ambiental e agravaria a crise climática.

Poucos dias depois de a APIB ter apresentado a sua ação, um segundo pedido de revisão constitucional foi apresentado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) do presidente Lula, pelo Partido Comunista do Brasil e pelo Partido Verde. Inicialmente, esperava-se que todas essas partes apoiassem conjuntamente a ação movida pela APIB contestando toda a lei, mas no final o PT optou por buscar a revisão constitucional apenas dos artigos que haviam sido vetados por Lula. 

A petição da APIB reconhece mais do que o veto do Prazo, abrangendo artigos que não foram abordados no veto inicial do presidente Lula. Estas incluem disposições que permitem a possibilidade de estabelecimento de bases militares e outras intervenções militares, expansão estratégica da malha rodoviária, exploração de alternativas energéticas de natureza estratégica sem consulta às comunidades indígenas, ações das Forças Armadas e da Polícia Federal em áreas indígenas sem consulta às às comunidades envolvidas ou ao órgão indígena federal competente e à autorização para que o poder público instale equipamentos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte nas terras indígenas.

Embora o Supremo Tribunal deva provavelmente reafirmar a sua posição sobre a inconstitucionalidade do Prazo tese, o destino dos demais artigos da lei permanece incerto. O movimento indígena está a preparar-se para outra prolongada batalha jurídica e política. 

Simultaneamente, existe a probabilidade de o movimento indígena intensificar a pressão sobre o governo para agilizar a demarcação das terras indígenas que aguardam declaração do Ministério da Justiça. Isto abriria caminho para que estes processos chegassem à fase final de aprovação presidencial. E, por último, mas não menos importante, o Congresso continua a ser uma força hostil. Antecipando a potencial anulação da Lei Federal 14.701 pelo Supremo Tribunal Federal, a bancada do agronegócio já iniciou a formulação de uma nova proposta legislativa – desta vez, uma emenda constitucional – destinada a restringir os direitos indígenas. A sua estratégia depende da crença de que alterar a Constituição limitaria a autoridade do Supremo Tribunal para anular a reforma.

E assim, entramos em um novo ano com algumas vitórias muito reais e significativas para comemorar, ao mesmo tempo que rechaçamos ataques e tentativas de anular não apenas essas vitórias, mas garantias fundamentais dos direitos indígenas fundadas na Constituição do Brasil e conquistas que foram duramente conquistadas ao longo de décadas de organização política e mobilização popular.

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