No dia 7 de junho de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomará o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1,017,365, julgamento que, ao examinar a constitucionalidade do que ficou conhecido como Prazo tese ou Truque do Limite de Tempo, determinará o futuro dos povos indígenas no Brasil, da biodiversidade e do equilíbrio climático global.
Prazo é uma tese política transformada em um mecanismo de interpretação constitucional ad hoc que limita os direitos dos povos indígenas às suas terras tradicionais através da aplicação de um corte temporal arbitrário, restritivo e juridicamente infundado. Segundo a tese, o direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais só se aplica às terras que efetivamente ocupavam no momento da promulgação da Constituição Federal do Brasil, em outubro de 1988. Na ausência de ocupação efetiva comprovada, seria necessário demonstrar que a terra estava sendo disputada por grupos indígenas – por exemplo, através da existência de uma ação judicial disputando a posse – naquela mesma data. Dado que até 1988 os povos indígenas estavam sob um regime de tutela que lhes retirava os direitos civis e políticos e não reconhecia as suas culturas e territórios, coisas como “ocupação efectiva” ou disputa legal são extremamente difíceis de provar, se não impossíveis.
Esta tese interpretativa redefine radicalmente o conceito de direito originário à terra consagrado na Constituição Federal, dificultando o reconhecimento e a proteção de grande parte das Terras Indígenas (TIs) do Brasil. O artigo 231 da Constituição Federal reconhece o direito originário dos povos indígenas às terras tradicionalmente ocupadas e define essas terras como o conjunto de áreas utilizadas pelos povos indígenas para habitação, aquelas utilizadas para suas atividades produtivas, aquelas essenciais para a preservação dos recursos ambientais necessários para seu bem-estar e os necessários à sua reprodução física e cultural, de acordo com seus usos, costumes e tradições. Não há menção na Constituição Federal ou mesmo nos debates constituintes que a motivaram a uma determinada data de posse para acesso a um direito originário que deveria ser reconhecido – e não constituído – pelo governo brasileiro.
A Prazo tese já é responsável pela paralisação e revisão dos processos de demarcação em todo o país, impactando diretamente a vida de milhares de indígenas que, tendo seu direito fundamental ao território violado, enfrentam uma série de violências físicas e simbólicas.
Documento compilado por Ana Carolina Alfinito (FGV Direito SP e Amazon Watch), Giovanna Valentim (DCP/USP) e Maurício Terena (Apib) contando com as contribuições de Eloy Terena (Ministério dos Povos Indígenas), Oscar Vilhena (FGV Direito SP e Comissão Arns), Manuela Carneiro da Cunha (USP, Universidade de Chicago e Comissão Arns), Carlos Nobre (IEA/USP) e Rodrigo Mariano Verá Yapua (CGY), Kenarik Boujikian (TJSP e AJD), Paulo Moutinho (Ipam), Juliano Assunção (PUC-Rio), Ana Patté (Ministério dos Povos Indígenas ), Déborah Duprat (IBCCRIM) e Julia Neiva (Conectas Direitos Humanos).