A Volta Grande do Xingu, no estado amazônico do Pará, está sob ameaça iminente. Após a inauguração da Usina Hidrelétrica de Belo Monte em 2016, esse território passa por níveis de destruição socioambiental sem precedentes. Com o apoio dos governos federal e estadual, a mineradora canadense Belo Sun está avançando com seus planos de instalar uma mina de ouro a céu aberto na região chamada de VoltaGrande, ou Projeto “Big Bend” (PVG), deslocando e ameaçando as vidas e as casas das comunidades tradicionais que ali vivem.
Grande parte do Projeto Volta Grande fica dentro de um assentamento de reforma agrária chamado Projeto de Assentamento Ressaca (PA Ressaca). O assentamento foi criado em 1999 e abriga centenas de famílias que vivem da terra e do rio, cultivando pequenas fazendas, produzindo farinha de mandioca e colhendo açaí ou outros produtos tradicionais da floresta. As tentativas da Belo Sun de retirar essas famílias das terras onde planeja suas operações de mineração ameaçam apagar sua história e seus direitos.
A resistência da sociedade civil e Amazon Watch ajuda
As comunidades locais e a sociedade civil organizada do Brasil e do exterior têm respondido a essas tentativas agressivas de entregar terras de reforma agrária à empresa mineradora internacional. Apoiadas pelo Movimento Xingu Vivo (MXV), as comunidades estão se organizando em redes locais para resistir e denunciar a invasão ilegal de Belo Sun em seus territórios. Amazon Watch está apoiando grupos de guardiões locais por meio do Fundo de Defensores da Amazônia e fornecendo apoio jurídico às suas organizações.
Também temos trabalhado com o poder público, e especialmente com a Defensoria Pública Federal, para desenvolver respostas jurídicas às medidas da Belo Sun e do órgão federal responsável pela execução da política de reforma agrária brasileira com o mandato de promover os direitos das famílias assentadas conhecidas como Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). No final de 2021, a Defensoria entrou com uma ação para garantir que a Belo Sun e o INCRA não tentariam retirar as famílias assentadas de seus terrenos. E estamos trabalhando para apoiar a elaboração de uma ação judicial que pede a anulação do contrato firmado entre Belo Sun e INCRA.
A Belo Sun afirma que 1,439 hectares dentro da AP Ressaca – ou 22 terrenos – serão afetados diretamente pelas operações de mineração. Esse número mudou significativamente nos últimos anos e não há estimativas de quais serão os impactos mais amplos, diretos e indiretos do projeto Volta Grande no assentamento como um todo. A partir de hoje, apenas as famílias que estão dentro de um raio de 250 metros da infraestrutura do projeto – as minas, o reservatório, a barragem de rejeitos – são consideradas afetadas. As restantes famílias, que terão os seus meios de subsistência significativamente alterados, o acesso à água cerceado e os laços comunitários rompidos, não estão a ser considerados no processo de licenciamento. Um estudo recente publicado em Revista Natureza mostra que a mineração na Amazônia brasileira leva o desmatamento até 70 km além dos limites declarados de um arrendamento de mineração, revelando o absurdo dos critérios de raio de 250 metros aplicados pela Belo Sun.
Desde 2014, a Belo Sun tenta agressivamente comprar terras de famílias assentadas. As famílias assinaram esses contratos de aquisição de terras sob intimidação e desinformação da Belo Sun. Muitos foram informados de que a mina seria licenciada de uma forma ou de outra e que, se não vendessem a terra, seriam forçados a sair sem compensação. Essas compras de terras são ilegais e estão atualmente sob investigação da Polícia Federal.
Em 2018, o INCRA eliminou mais de 100 famílias da PA Ressaca, alegando que haviam abandonado suas terras. Todos os 22 lotes que a Belo Sun precisa para instalar seu projeto se sobrepõem a terras anteriormente detidas por famílias nesta lista.
Mais recentemente, a Belo Sun vem negociando com o INCRA – que é legalmente o proprietário das terras da PA Ressaca – sobre como o órgão será indenizado pelos danos causados à terra. As negociações foram baseadas na premissa de que não havia famílias nos lotes diretamente afetados, o que não é verdade. As famílias assentadas não foram envolvidas ou consultadas no processo. Em novembro de 2021, a Belo Sun anunciou que assinou um contrato com o INCRA por meio do qual foi autorizado a usar 1,439 hectares de terra dentro do PA Ressaca para mineração de ouro por 20 anos, após o qual a terra será devolvida à agência. O contrato prevê que a Belo Sun indenizará o INCRA por danos à sua propriedade doando um terreno no estado de Mato Grosso, comprando equipamentos para a agência e dando-lhe participação nos lucros da Belo Sun.
A história de devastação de Volta Grande
A Volta Grande do Xingu é um território marcado por uma luta entre dois mundos. Situada na bacia do rio Xingu, no estado amazônico do Pará, a Volta Grande do Xingu – que significa literalmente “a grande curva do Xingu” – recebe o nome do caminho traçado pelo rio Xingu após passar pela cidade de Altamira, quando faz uma curva acentuada para o sul antes de mudar de direção e seguir novamente para o norte para encontrar o rio Amazonas.
A Volta Grande é há séculos habitada por inúmeras comunidades tradicionais que vivem ao longo do rio, em suas ilhas e em seus riachos. Pessoas indígenas, camponeses, comunidades pesqueiras e outras comunidades tradicionais formam um denso mosaico de povos que tradicionalmente ocupam esse vasto território, vivendo da terra e do rio e mantendo – sempre por meio da luta coletiva – seu modo de vida. Eles também são os guardiões de um pedaço de floresta bem preservado, um ecossistema diversificado e complexo. A Volta Grande abriga a biodiversidade encontrada apenas nesta região.
A inauguração do Usina Hidrelétrica de Belo Monte (UHE Belo Monte) em 2016 derrubou violentamente a vida tradicional neste território. Belo Monte redireciona o rio Xingu para longe da Volta Grande, reduzindo a disponibilidade de água e peixes na região e cerceando a autonomia econômica e política de seu povo. Belo Monte representa o mundo do chamado desenvolvimento, grande infraestrutura e extração econômica altamente capitalizada que ameaça os meios de subsistência tradicionais na Volta Grande.
E é justamente nesse território, que passa por níveis de destruição socioambiental sem precedentes, que mais um megaprojeto está sendo planejado pela Belo Sun. O potencial das ambições da Belo Sun é perigoso e destrutivo. Recentemente, o Ministério Público Federal emitiu recomendação que nenhum megaprojeto deve ser licenciado na Volta Grande até que os impactos de Belo Monte sejam melhor compreendidos e mitigados. O licenciamento do PVG viola diretamente esta recomendação.
Amazon Watch permanecerá engajado ao lado de outras organizações da sociedade civil em redes nacionais e internacionais que trabalham para denunciar as práticas da Belo Sun, tanto no Brasil quanto no exterior. A Aliança Internacional para a Volta Grande do Xingu vem monitorando, registrando e reportando às autoridades canadenses e à mídia os problemas jurídicos envolvidos no PVG. Também mapeou e contactou os investidores da Belo Sun, como o Royal Bank of Canada, que devem ser responsabilizados pelas violações da empresa. Os membros da Aliança começaram a estudar formas de procurar reparação legal contra a Belo Sun na jurisdição canadiana.
Ao longo de 2022, essas atividades serão tecidas em uma campanha nacional e internacional mais ampla pela Vida na Volta Grande do Xingu. Apelamos a você para usar sua voz e agir em solidariedade com os povos da região para impedir os planos da Belo Sun. Juntos podemos acabar com sua cumplicidade na destruição da Amazônia.