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Povo Mura se levanta contra invasão de garimpeiros no Brasil

Uma nova e poderosa aliança surge para enfrentar o extrativismo em terras indígenas

10 de junho de 2025 | Ana Alfinito e Daleth Oliveira | De Olho na Amazônia

Crédito: Paulo Bastos/APIAM

“A resposta somos nós!” gritaram mais de 300 lideranças, jovens e anciãos Mura durante a VIII Assembleia do Povo Mura, realizada no mês passado na Terra Indígena Lago do Soares, um território tradicional Mura a cerca de 112 km de Manaus. 

Amazon Watch compareceram em solidariedade. Em uma poderosa demonstração de unidade e resistência, os Mura reafirmaram sua oposição ao enorme projeto de mineração da Potássio no Brasil e exigiram a titulação de seu território ancestral. 

A assembleia deste ano teve um significado histórico particular: representantes do povo Munduruku se uniram em solidariedade, marcando um momento profundo de luta compartilhada. Os dois povos se uniram para defender seus direitos, culturas e territórios da crescente ameaça da mineração industrial. 

Apoiados por organizações indígenas nacionais e regionais, os Mura condenaram a empresa por manipular processos de consulta, apagar sua identidade e violar seus direitos constitucionais. Com a COP30 se aproximando, os Mura estão levando sua luta para o cenário internacional.

O povo indígena Mura habita tradicionalmente os rios Madeira, Purus e Amazonas, no leste do estado do Amazonas. Há mais de uma década, eles lutam para defender suas terras da Brazil Potash, uma mineradora transnacional controlada pela Forbes & Manhattan que busca construir um enorme complexo de mineração de silvinita em seu território tradicional. O Projeto Autazes Potash, da empresa, atualmente em fase de licenciamento ambiental, tem alimentado conflitos e divisões dentro das comunidades Mura e levado ao silenciamento violento de vozes indígenas que se opõem à mina.  

Mas os Mura se recusam a se silenciar. A assembleia, realizada no final de maio, marcou um ponto de inflexão na mobilização contra a Potássio no Brasil. Ela reuniu associações de base e organizações indígenas regionais e nacionais, incluindo a Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). 

Segundo Gersem Baniwa – ativista, educador e intelectual indígena – a assembleia marcou um momento crucial para os Mura e para o movimento indígena em geral: “O que aconteceu neste grande encontro não foi apenas uma reunião dos Mura mais diretamente afetados pelo projeto Potássio no Brasil. A importância deste evento reside no fato de que esta luta se tornou, antes de tudo, a luta de todos os povos indígenas.”

Os Mura exigem reconhecimento e respeito por seus direitos e identidade. “Somos um povo indígena tradicional que vive nesta terra há centenas de anos. Nossos antepassados ​​nos contam essa história. Historiadores e cientistas não indígenas confirmam essa história. No entanto, nossa própria existência está sendo apagada porque uma empresa quer explorar nosso território. Lutaremos de todas as maneiras que pudermos”, afirma Gabriel Mura, Tuxaua (liderança) da aldeia indígena Lago do Soares. 

Após três dias de apresentações, refeições compartilhadas, rituais, danças e debates intensos, a assembleia concluiu com uma resolução afirmando os princípios fundamentais da mobilização Mura:  

Reafirmamos que não aceitamos a mineração em nossos territórios em hipótese alguma; que a demarcação de nossas terras é um direito constitucional e inegociável; que resistiremos a qualquer tentativa de invasão ou destruição do nosso modo de vida; que não recuaremos diante dos ataques do agronegócio, das mineradoras ou de governos negligentes ou coniventes. Somos um povo vivo, organizado e determinado a defender nossos direitos (...).”

Apagado e ignorado: como o potássio brasileiro atinge os Mura

A Constituição Federal brasileira proíbe a mineração em terras indígenas tradicionalmente ocupadas. No entanto, as jazidas de silvinita visadas pela Potássio Brasil estão localizadas na Terra Indígena Lago do Soares, um território tradicional que, segundo registros históricos, os Mura ocupam desde pelo menos meados do século XIX

O direito legal dos Mura ao seu território tradicional representa um obstáculo intransponível ao projeto de mineração da Brazil Potash. Em resposta, a empresa optou por negar a existência da comunidade Mura. Em seus estudos de impacto ambiental, a Brazil Potash descreve a presença dos Mura como "coletivos rurais" ou um "centro urbano", apagando sua identidade étnica e minando seus direitos à terra e à Consulta Livre, Prévia e Informada. 

Apesar das constantes demandas por demarcação oficial, a negligência governamental deixou o Lago do Soares sem reconhecimento formal ou título legal, tornando-o mais vulnerável à exploração extrativista. Segundo João Lisboa, advogado e assessor jurídico da resistência Mura, "esse mecanismo de invisibilidade étnica constitui uma prática de violência institucional. A negação plena da condição indígena é usada para enfraquecer as proteções constitucionais e excluir os Mura dos processos decisórios".

A Brazil Potash combinou o apagamento étnico com a cooptação seletiva de líderes Mura para enfraquecer as estruturas tradicionais de tomada de decisão e minar a autodeterminação indígena. Em 2023, a empresa cooptou o Conselho Indígena Mura (CIM) e realizou um processo de consulta que excluiu a comunidade Mura do Lago do Soares. A empresa ignorou e deturpou as informações oficiais. Protocolo de Consulta desenvolvido e aprovado por todas as comunidades Mura. O processo resultante baseou-se em cooptação, desinformação, promessas econômicas e acesso restrito à informação – criando uma simulação deliberada de consentimento.  

Em 2018, os Mura realizaram a autodemarcação autônoma do Lago do Soares. Cinco anos depois, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) criou um grupo de trabalho para identificar formalmente o território tradicional – o primeiro passo no processo oficial de demarcação de terras. Este grupo de trabalho representa o início de um processo essencial para a proteção dos direitos territoriais dos Mura. No entanto, o processo deve ser rápido para evitar novos danos irreversíveis ao tecido social, político e cultural dos Mura.   

Construindo uma frente unida: Mura se mobiliza para ação internacional

Nos últimos 15 anos, organizações de resistência Mura apresentaram diversas queixas contra a Brazil Potash em várias instâncias legais e administrativas. 

A VIII Assembleia dos Povos Mura marcou dois grandes momentos de inflexão em seu movimento de resistência. O primeiro foi a decisão de levar o combate ao Potássio para o cenário internacional, a partir da COP30. Na resolução aprovada, os Mura denunciaram o silêncio institucional em resposta às violações de direitos garantidos pela Constituição brasileira e pelos tratados internacionais. Declararam: "A COP30 será um momento estratégico para a mobilização internacional".

A decisão de levar essas denúncias ao cenário internacional ocorre após repetidas tentativas frustradas de diálogo com o governo do estado do Amazonas, os órgãos de licenciamento ambiental e o judiciário brasileiro, que continua a validar violações de direitos constitucionais e da Convenção 169 da OIT. O caso Autazes Potássio provocou uma erosão deliberada do arcabouço legal que protege os direitos indígenas no Brasil e busca normalizar práticas ilegais com fins lucrativos. Quando o sistema de justiça falha em garantir até mesmo direitos básicos – como a Consulta Livre, Prévia e Informada – as comunidades são forçadas a buscar justiça por meio de mecanismos internacionais.

O segundo desenvolvimento importante foi a formação de uma ampla coalizão multinível de organizações indígenas e não indígenas em solidariedade aos Mura do Lago do Soares e se opondo a toda mineração em territórios indígenas. 

Na VIII Assembleia do Povo Mura, organizações de base Mura contaram com a presença de aliados e parceiros, incluindo a APIB, a COIAB, a Coordenação dos Povos Indígenas do Amazonas (APIAM) e a Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus (COPIME). Representantes do movimento de resistência Munduruku Ipereg Ayu também compareceram, compartilhando suas experiências de resistência aos megaprojetos ao longo dos rios Tapajós e Xingu. 

Unidas em sua oposição ao extrativismo, essas organizações enfatizaram que a proteção dos territórios indígenas contra a mineração transnacional exige resistência coordenada em níveis local, nacional e global. Apesar de enfrentar violações de direitos, negligência institucional e violência política, a resistência Mura conseguiu construir essas redes. 

Como disse o educador e intelectual indígena Gersem Baniwa: “Saímos da assembleia confiantes de que a força da luta dos povos indígenas contra a mineração em terras indígenas será demonstrada. Também reafirmamos nossos laços com organizações e outros parceiros de longa data. Estamos formando uma frente ampla. Tudo indica que os próximos encontros do povo Mura serão cada vez mais potentes e decisivos no enfrentamento da mineração em terras indígenas, especialmente no enfrentamento da Potássio. Nossa luta está apenas começando.”

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