Pulso, Xingu! O Caminho para Reanimar a Volta Grande depois de Belo Monte | Amazon Watch
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Pulso, Xingu! O caminho para reviver a Volta Grande depois de Belo Monte

Pesquisadores Juruna e ribeirinhos da Volta Grande do Xingu, com acadêmicos de diversas áreas da ciência, propõem o Hidrograma de Piracemas, uma ação necessária para que os peixes voltem a se reproduzir

27 de julho de 2023 | Clara Roman e Thais Mantovanelli | Instituto Socioambiental

O Rio Xingu precisa pulsar para que a vida exista. O pulso de inundação é a fonte do ciclo de vida na maioria dos rios amazônicos. Os Juruna Yudjá da Terra Indígena Paquiçamba e as comunidades ribeirinhas da Volta Grande do Xingu já sabem disso há muito tempo.

Para defender a promoção da vida, nesta quinta-feira, lançaram a animação #PulsaXingu, que apresenta a proposta do Hidrograma de Piracemas. Trata-se de uma proposta baseada em critérios ecológicos para que a Usina Hidrelétrica de Belo Monte libere volumes de água mais adequados para a reprodução dos peixes.

Desde a barragem, em 2015, os impactados pela usina e a concessionária Norte Energia brigam pela água. Belo Monte desviou 70% da vazão do rio Xingu para produção de energia. Esse desvio é chamado pelo empresário de Hidrograma de Consenso, “mas não há nada de consenso”, como afirma a animação.

Com esse fluxo de água estabelecido pela Norte Energia, peixes e outras espécies aquáticas começaram a morrer, uma das cenas reais ilustradas no filme. Em 2016, caracterizado pelos Juruna como o “ano do fim do mundo”, muitas tartarugas mortas foram encontradas na região em locais que antes eram áreas de alimentação e reprodução desses animais. Toneladas de peixes mortos também foram observadas.

“Xingu, o rio que pulsa dentro de nós”

Em 2018, a animação foi lançada “Xingu, o rio que pulsa dentro de nós”, que denunciou os impactos da hidrelétrica de Belo Monte no rio e na população da Volta Grande do Xingu, no Pará. O filme, que detalha os danos causados ​​pelo Hidrograma de Consenso, foi produzido pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Associação Yudjá Miratu da Volta Grande do Xingu (Aymix) e a Universidade Federal do Pará (UFPA).

A produção ganhou o AnimaMundi em 2019, o maior festival de animação da América Latina.

A animação lançada hoje traz uma proposta produzida por pesquisadores do MATI (Monitoramento Ambiental Territorial Independente) da Volta Grande do Xingu. Formado por cientistas e acadêmicos locais, o coletivo monitora diariamente os impactos causados ​​pela operação de Belo Monte. A partir dessa observação minuciosa e de análises baseadas na metodologia participativa, os pesquisadores do MATI lançam uma proposta de revisão do sistema operacional de Belo Monte como condição de proteção à vida na região, simulando o pulso de cheia do rio Xingu: o Hidrograma de Piracemas .

Tem piracema no nome porque essa proposta garante a ocorrência de algumas dessas áreas de reprodução migratória de peixes que foram destruídos com os cursos d'água atualmente operados pela Norte Energia. Essa luta pelo direito de compartilhar a água em seus usos múltiplos é o que norteia as ações do MATI desde sua criação, em 2013, a partir do conhecimento ecossistêmico dos povos tradicionais da região.

Para quem é da cidade, piracema é um novo nome. Mas para quem mora na beira do rio, piracema é uma palavra comum que todo mundo conhece. A piracema, ali na Volta Grande, é o local onde os peixes vão desovar e onde se desenvolvem os alevinos. São lugares muito especiais, bolsões que acumulam água de uma forma diferente, proporcionando um lugar escondido e tranquilo que levou milhares de anos para ser criado pela natureza.

Um dos principais impactos da UHE Belo Monte verificado e descrito pelo MATI é a interrupção de piracemas. A água do rio não chega mais a esses locais na hora certa ou na quantidade certa para garantir a reprodução dos peixes. Hoje, nesse trecho do rio Xingu, algumas espécies possuem apenas indivíduos velhos, que já existiam antes da instalação da usina.

O MATI monitora florestas aluviais, dinâmica de pesca e desova. Na prática, os monitores vão diariamente aos locais de monitoramento e medem o nível da água por meio de réguas instaladas no terreno. Eles também fotografam o ambiente, registram o comportamento dos peixes da região e observam outros fenômenos que podem estar acontecendo ali, dependendo da quantidade de água e da época do ano. Posteriormente, esses dados são cruzados com os dados de vazão divulgados naquele dia, que são divulgados pela Norte Energia em seu site, conforme exigência da Agência Nacional de Águas (ANA).

Seu Sebastião, pesquisador do MATI e morador da Ilha do Amor na Volta Grande do Xingu, conta que quando as águas chegam em novembro, eles conversam com os peixes e falam: 'vem, vem peixinho, vem peixão, vamos para o piracema'.

Os peixes sabem ouvir esse chamado com seus corpos e seguem a voz das águas junto com seu fluxo que começa a crescer. É uma conversa delicada que demorou a existir e existe há muito tempo. Belo Monte quebrou essa delicada conversa milenar.

O leilão que permitiu isso durou apenas sete minutos.

Esse processo de interrupção da reprodução dos peixes é ilustrado na animação em dois momentos. Uma delas é a ilustração de um curimatá com ovas secas dentro. Essa situação – curimatás com ovos secos dentro – já faz parte do cotidiano dos Juruna desde 2015. Os curimatás não encontram água suficiente em seus locais de desova, por isso se recusam a desovar e os ovos secam dentro deles. 

“Os movimentos precisam ser sincronizados para que os peixes entrem em uma área que está sendo inundada e para que a inundação progrida gradativamente. Peixes e outros organismos vivos precisam de uma resposta do ambiente, um sinal seguro e confiável que geralmente se manifesta em uma longa sequência. Todos os dias o volume de água aumenta, há um sinal claro. Isso evita que os peixes entrem, por exemplo, em uma área que vai secar repentinamente. Ou que eles desovam, gastando energia acumulada ao longo de um ano inteiro. Quando isso vai e vem, motivado pelas torneiras de Belo Monte, todo esse equilíbrio é destruído”, explica o professor e ictiólogo Jansen Zuanon.

Cemitério Roe

Outro episódio trágico ilustrado na animação é o do cemitério de ovas, gravado em 8 de fevereiro de 2023. Josiel Juruna, coordenador do MATI, e outros moradores locais encontraram centenas de milhares de ovas de curimatã apodrecendo na desova de Odilo.

No dia anterior, choveu forte em Volta Grande. Como resultado, a água começou a inundar esta região. Os curimatãs migraram para desovar na área alagada.

Uma expectativa apreensiva e preocupada tomou conta do grupo, que voltou para a aldeia Muratu. No dia 8, a chuva havia parado. E o pior se confirmou: as águas do Xingu, em níveis muito abaixo das médias históricas, não “seguraram” a água da poça de desova, que voltou ao rio e esvaziou a área onde os peixes depositaram os ovos.

No que antes era um berçário, o grupo encontrou o Cemitério Roe.. “Foi uma catástrofe para nós. Foi muito triste passar por esse momento”, disse Josiel. “Meu irmão Gilliard, que também estava lá, e ele era o mais velho, disse que nunca tinha visto isso acontecer, nem meu pai nunca tinha visto isso acontecer”, conta.

Esperança: hidrografia de piracemas

O Hidrograma de Piracemas, proposta apresentada na animação, defende critérios ecológicos mais próximos do pulso natural do rio. Nesta proposta, fruto de pesquisa colaborativa, a vazão de água começa a aumentar sutilmente a partir de outubro, com um aumento mais expressivo em novembro e um aumento gradativo até abril, quando começa a diminuir.

Esse fluxo é o momento certo para que as piracemas vão enchendo gradativamente, para que os peixes voltem a perceber os sinais da natureza, desovando e garantindo sua reprodução.

Essa proposta detalhada, baseada em minuciosa pesquisa científica, foi apresentada ao Ibama, órgão licenciador que deve definir o novo hidrograma antes da renovação da licença de operação da UHE Belo Monte, que venceu em 2021.

O presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, disse que a proposta está sendo analisada em seminário organizado pela Procuradoria-Geral da República em março. Em ocasião posterior, afirmou que qualquer proposta aprovada terá de garantir as condições de manutenção e promoção da vida na região.

 “A garantia que posso dar é que, com esse Hidrograma de Consenso (hidrogramas A e B operados pela Norte Energia), você esquece a licença. Nossa prioridade é a vida no Xingu”, afirmou.

Em uma das cenas da animação, aparece a zebra (Hypancistrus zebra). Zebrinha é um peixe ornamental muito bonito, bem pequeno, endêmico da Volta Grande do Xingu. Tem esse apelido porque suas listras lembram as de uma zebra. Esse peixe só existe lá.

O cacique Gilliarde Juruna faz uma ligação entre a zebrinha e o povo Juruna Yudjá. “Nós, povo Juruna de Volta Grande, somos como a Zebra. Estamos ameaçados de extinção pelos impactos de Belo Monte, que ameaçam nossas vidas, no presente, no futuro e no passado. E porque precisamos contar essa história para o mundo. Porque, como Zebra, nós também só existimos, partimos, somos a Volta Grande do Xingu”

O Hidrograma de Piracemas é essa possibilidade de retomar a existência de toda a vida da Volta Grande do Xingu. Isso inclui os alevinos, que poderão eclodir e crescer nas piracemas, os curimatãs, que poderão desovar, os tracajás, que irão se alimentar e desovar, e as zebras, que irão crescer e se reproduzir.

Os ribeirinhos e o povo Juruna Yudjá da Volta Grande do Xingu, que compartilham uma longa história com o fluxo das águas do Xingu, poderão manter seu modo de vida. Para entender essa história, precisamos embarcar nas canoas de madeira do povo da região, gente que tem canoa no lugar dos pés.

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