Em uma das primeiras medidas administrativas de seu governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revogou uma série de decretos que desarticulavam os direitos humanos e as políticas socioambientais instituídas por seu antecessor, Jair Bolsonaro. E antes de sua posse em 1º de janeiro, Lula nomeou Marina Silva para liderar o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Brasil e Sonia Guajajara para chefiar um novo Ministério dos Povos Indígenas, em movimentos históricos destinados a conter a intensificação do ataque aos territórios indígenas e ao meio ambiente.
Entre seus primeiros atos, Lula assinou decretos e medidas provisórias que restabeleceram programas de financiamento ambiental, como o Fundo Amazônia e o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), o fundo ambiental mais antigo da América Latina; revogou o decreto de Bolsonaro que facilitou a mineração “artesanal” ilícita na Amazônia; acabar com um “anistia ambiental” que fomentou a impunidade entre os que cometeram crimes ambientais; e revogou o relaxamento dos limites de posse e porte de armas de fogo.
A revogação do decreto pró-garimpo “artesanal” de Bolsonaro, que havia impulsionado um aumento desastroso da mineração ilegal na Amazônia, atendeu às demandas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que pediu o fim da mineração em terras indígenas. A nova gestão também adotou outro pedido da APIB, corrigindo o nome da agência federal do índio, FUNAI, de Fundação Nacional do Índio para Fundação Nacional do Índio. Criada em 1967, durante a ditadura militar, a FUNAI será dirigida pela primeira vez por uma indígena, Joenia Wapichana.
O restabelecimento do Fundo Amazônia pelo presidente Lula é significativo, dado o papel fundamental que esse mecanismo poderia desempenhar no fornecimento de financiamento tão necessário para os esforços de preservação da floresta. Paralisado desde 2019 pelo regime de Bolsonaro com mais de R$ 3 bilhões (US$ 550 milhões) de fundos congelados doados por Noruega e Alemanha, o Fundo Amazônia voltará a apoiar 102 projetos de conservação na Amazônia, entre eles florestas geridas por povos indígenas e pequenos agricultores.
O novo presidente do Brasil também transferiu a gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR – Cadastro Ambiental Rural) – que rastreia todas as propriedades rurais – do Ministério da Agricultura para o Ministério do Meio Ambiente, dificultando os esforços para evitar multas aplicadas a proprietários de terras que cometem crimes ambientais. Essa mudança também reativa um plano de prevenção e controle do desmatamento na Amazônia — conhecido como Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia (PPCDAm) — que Bolsonaro desmantelou em seu primeiro ano de mandato.
Lula determinou que as ordens executivas de Bolsonaro que restringiram o papel e reduziram a participação social no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), importante órgão do governo para a participação popular no desenvolvimento das políticas ambientais do Brasil, sejam revistas em 45 dias. O CONAMA será reativado com novas regulamentações propostas pelo Ministério do Meio Ambiente para garantir maior participação popular.
O presidente Lula também prometeu alcançar o desmatamento zero na Amazônia e 100% de eletricidade renovável durante seu discurso de posse, acrescentando que “o Brasil não precisa derrubar florestas para manter e expandir sua fronteira agrícola estratégica”. Porém, enquanto a equipe de meio ambiente do novo governo é ambiciosa e assertiva, Lula terá que negociar sua agenda sem maioria no Congresso, dominado por parlamentares ligados ao partido de Bolsonaro e ao movimento “ruralista” que promove o agronegócio e a mineração na Amazônia.
Christian Poirier, Diretor do Programa em Amazon Watch, disse: “Após quatro anos de desmantelamento implacável da legislação socioambiental, o novo governo de Lula está começando a reconstruir as normas fundamentais evisceradas pelo regime Bolsonaro. A renovação do Fundo Amazônia é um dos primeiros e mais urgentes passos para restabelecer políticas para enfrentar a emergência climática atual. Há muito a ser feito e esperamos que essas medidas sejam acompanhadas de um compromisso real com a reestruturação das políticas socioambientais do Brasil para combater o desmatamento e reduzir as emissões, bem como com o respeito aos direitos e territórios dos Povos Indígenas.”
Confira abaixo as principais mudanças feitas pelo novo governo organizado em tópicos pela organização brasileira Observatório do Clima.
- Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas – A recondução de Marina Silva ao Ministério do Meio Ambiente após duas décadas é carregada de simbolismo até no nome, que incorporado o termo Mudanças Climáticas. o ministria foi completamente reestruturado e em grande parte ineficaz devido ao bolsonarismo.
- Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e Fundação Nacional dos Povos Indígenas - Decreto 11,355 aprova a estrutura e cargos comissionados do Ministério dos Povos Indígenas. Sonia Guajajara foi escolhida para ser a primeira Ministra dos Povos Indígenas, que terá um departamento dedicado especialmente à justiça climática. Joenia Wapichana, a primeira deputada indígena do país, foi nomeada presidente da FUNAI. Nunca antes na história do Brasil uma mulher indígena presidiu a FUNAI ou assumiu um ministério.
- mineração artesanal - Decreto 11,369 revoga ato de Bolsonaro que promovia garimpo em áreas públicas e de proteção ambiental. O Decreto nº 10,966, de 11 de fevereiro de 2022, criou o chamado Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e de Pequena Escala, considerado ser uma das principais conquistas do lobby mineiro no governo Bolsonaro.
- PPCDAm - Decreto 11,367 restabelece o Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia, abolido por Bolsonaro em seu primeiro ano de mandato. Criado em 2004, no primeiro mandato de Marina Silva, foi um dos principais responsáveis pela queda de 83% no desmatamento até 2012. O decreto também trata dos planos de combate ao desmatamento no Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, o Pampa e o Pantanal.
- Fundo amazônico - Decreto 11,368 restabelece a governança do Fundo Amazônia. O ato libera para uso imediato R$ 3.3 bilhões que estavam congelados há quatro anos pelo governo Bolsonaro. Alemanha e Noruega, que haviam cortado doações, já anunciaram novos repasses.
- multas ambientais - Decreto 11,373 restabelece a reorganização do processo sancionatório ambiental, desmantelado nos últimos quatro anos, que pode evitar o vencimento de R$ 18 bilhões em multas, como buscava o governo Bolsonaro.
- Fim da conciliação ambiental – A mudança no decreto que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais retirou a previsão da “conciliação” ambiental – ou “anistia ambiental” como era conhecida – medida criada no governo Bolsonaro para beneficiar criminosos ambientais.
- Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) - Decreto 11.372 muda a composição do conselho deliberativo do FNMA, aumentando a participação da sociedade na decisão sobre a destinação de recursos nessa área. O conselho terá representantes do recém-criado Ministério dos Povos Indígenas, de organizações indígenas e comunidades tradicionais. Organizações ambientais, Secretaria Nacional da Juventude, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entre outras.