Fotos e vídeo disponíveis aqui (Crédito: @wellkumaruara)
Novo Progresso, Pará, Brasil – Esta manhã, cerca de 100 manifestantes indígenas dos povos Munduruku, Apiaká e Kayapó interromperam uma audiência para promover a construção de uma megaferrovia, que, segundo eles, viola o seu direito à consulta e põe em perigo a floresta amazónica. Convocado pelo senador brasileiro Zequinha Marinho, o “Encontro de Mobilização Regional para Apoio ao Ferrogrão” de hoje reuniu proponentes da proposta de ferrovia, que está projetada para cortar 1,000 quilômetros na Amazônia, causando cerca de 2,000 quilômetros quadrados de desmatamento e impactando 16 territórios indígenas.
Manifestantes indígenas chegaram ao local do evento com faixas denunciando os impactos do projeto e a obrigatoriedade do cumprimento dos protocolos de consulta, com mensagens como: “Ferrogrão é a destruição da floresta e dos povos indígenas”; “Ferrogrão não faz bem ao povo! Só para Cargill, Bunge, ADM, Dreyfus, etc” e “A ferrovia vai ter sangue indígena – eles querem negociar nossos direitos”.
“Este evento tenta legitimar um projeto que coloca em risco os povos da Amazônia e a própria floresta”, disse Vencedora do Prêmio Goldman, Alessandra Korap Munduruku. “Isso atropela nossos direitos. Os protocolos de consulta dos nossos povos não foram respeitados, como exige a Convenção 169 da OIT. Eles discutem a destruição de nossas terras e não falam conosco. Falam em megaprojetos, mas não falam em demarcação de terras. Quem lucra com isso não são as pessoas, são as grandes empresas como Cargill, Bunge, ADM e Dreyfus. E eles realizaram este evento um dia depois que o Congresso derrubou a vetos à tese do “Marco Temporal”, negando nossos direitos constitucionais à terra. Estamos aqui protestando porque tememos que eles avancem neste projeto e ao mesmo tempo deixem de lado os povos indígenas.”
A Ferrogrão, ou “ferrovia de grãos”, é uma prioridade do poderoso lobby do agronegócio brasileiro e dos principais comerciantes de commodities, como a Cargill, já que se projeta que reduzirá significativamente o custo das principais exportações agrícolas, como a soja cultivada na Amazônia e no vizinho bioma Cerrado. A audiência de hoje apresentou o projecto como um benefício económico, ao mesmo tempo que negou a sua enorme pegada ambiental e de direitos humanos.
“A Cargill não pode afirmar que está eliminando o desmatamento e a destruição de ecossistemas de sua cadeia de abastecimento enquanto atualmente constrói uma cadeia de abastecimento na Amazônia brasileira que destrói essas florestas e ecossistemas”, disse Mathew Jacobson, diretor de campanha da Stand.earth.
“A Ferrogrão é um projeto inviável que ignora alternativas logísticas e ameaça não só a Amazônia e seu povo, mas o nosso futuro coletivo”, disse Pedro Charbel, Amazon Watch Assessor de Campanha do Brasil, “Já passou da hora de as comunidades tradicionais e os povos indígenas ameaçados serem consultados e é vergonhoso e ilegal que isso ainda não tenha acontecido. O simples anúncio da Ferrogrão já agravou conflitos regionais e violações de direitos nos territórios indígenas.”
BACKGROUND
A Ferrogrão está vinculada a um projeto maior de infraestrutura denominado Corredor Logístico Tapajós-Xingu, que inclui também a pavimentação da rodovia BR-163, a dragagem de hidrovias e a construção de terminais de carga. Dados da Universidade do Rio de Janeiro e da Climate Policy Initiative estimam que, caso a mitigação dos problemas decorrentes do projeto não seja eficaz, mais de 285,000 mil campos de futebol de vegetação natural serão perdidos, correspondendo à emissão de mais de 75 milhões de toneladas de carbono, além de outros impactos como a perda significativa de biodiversidade e a redução dos serviços ecossistêmicos vitais do bioma.
Uma Medida Provisória emitida pelo presidente Temer em 2016 para viabilizar a Ferrogrão pretendia excluir cerca de 862 hectares do Parque Nacional do Jamanxim. Esse movimento gerou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade do partido político brasileiro PSOL, que obteve liminar que suspendeu o desenvolvimento do projeto em 2021. Em maio de 2023, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes autorizou a retomada dos estudos sobre a Ferrogrão, que estavam incluídos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal.