Carta de divulgação de ONGs acusa estado brasileiro do Pará de lavagem verde por meio de esquemas de crédito de carbono | Amazon Watch
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Carta de Liberação de ONGs Acusando o Estado Brasileiro do Pará de Lavagem Verde por meio de Esquemas de Crédito de Carbono

9 de novembro de 2021 | Atualização de campanha

Crédito da foto: Victor Moriyama / Amazon in Flames Alliance

No último sábado, o governo do Pará (junto com outros governadores da Amazônia) assinou um Memorando de Entendimento (MOU) com a Coalizão LEAF para impulsionar ações em relação à sustentabilidade e à bioeconomia. o Coalizão LEAF é um fundo público-privado que visa “fornecer financiamento para a conservação de florestas tropicais e subtropicais” por meio de créditos de carbono. Embora saudado por seus defensores como um passo inovador na redução do desmatamento, há sérias preocupações com a lavagem verde em relação ao esforço. Entre seus financiadores estão algumas das maiores corporações (e poluidoras) do mundo, como Amazon, Nestlé e até BlackRock.

Nós nos associamos a outras organizações da sociedade civil e redigimos uma carta aos governos envolvidos neste acordo - incluindo o governo dos Estados Unidos - para levantar preocupações sobre a verdadeira capacidade do Pará de honrar tais acordos, em face de uma abordagem extrativista tão agressiva. A velocidade com que o governo local tem tentado aprovar grandes projetos extrativistas e de infraestrutura, com imensos impactos no desmatamento, perda de biodiversidade e comunidades indígenas e tradicionais, contraria as promessas de uma economia verde reforçada na COP26. A carta dá o exemplo do Mineração Belo Sun, um grande projeto de mineração de ouro no coração do Amazonas, um exemplo de como os projetos predatórios estão avançando rapidamente.  

Questionamos a tentativa do governo do Pará de tornar verde sua agenda, enquanto pratica uma das políticas extrativistas mais agressivas do país. Na COP26, a carta foi entregue a representantes dos países envolvidos nesses acordos (Noruega, Reino Unido e Alemanha), por Marinor Brito, deputado do PSOL na COP26, juntamente com alguns de nossos parceiros de coalizão, como International Rivers. 

Carta de preocupação sobre a “Política Verde” do estado do Pará

As organizações da sociedade civil abaixo estão, por meio desta carta, expressando preocupação com o andamento dos acordos entre os governos financiadores da Coalizão LEAF e a Cooperação Alemã-GIZ, e o estado do Pará visando a captação de recursos para a preservação do meio ambiente. Dada a atual política de desenvolvimento econômico consolidada pelo governo estadual, questionamos sua real intenção e capacidade de cumprir tais acordos, caso se concretizem.

Recentemente, foi divulgada uma série de iniciativas de cooperação entre os estados da Amazônia Legal e parceiros internacionais para direcionar recursos às cadeias produtivas com foco na bioeconomia regional. Entre eles está a assinatura de Memorando de Entendimento entre os estados amazônicos, a Cooperação Alemã-GIZ e a Coalizão LEAF para “financiar projetos de combate ao desmatamento e conservação florestal”. A assinatura do acordo de cooperação deve ocorrer durante a COP26, no dia 6 de novembro, no Polo Brasil, em Glasgow, na Escócia. No entanto, não há mais informações sobre o conteúdo e as cláusulas do acordo além dos anúncios veiculados pela imprensa. 

Nas próximas seções apresentaremos os motivos pelos quais afirmamos que o governo do estado do Pará não tem adotado práticas consistentes com suas promessas. Ao contrário, ao apoiar abertamente projetos de alto impacto socioambiental na região (descritos a seguir), não conseguirá honrar seus compromissos de redução do desmatamento e das emissões de gases de efeito estufa.

Promessas de uma política verde 

Nos últimos anos, o governador Helder Barbalho tem anunciado o estado do Pará como um dos principais estados brasileiros em políticas verdes e desenvolvimento sustentável no Brasil. Para a obtenção de recursos, várias promessas governamentais estão sendo anunciadas como grandes avanços na preservação da biodiversidade da floresta amazônica. 

Entre essas promessas estão: 

a) a criação do Plano Estadual Amazônia Agora (decreto 941 de 3 de agosto de 2020), como principal instrumento do Pará para tentar comprovar seu compromisso com a Corrida para Zero (neutralidade das emissões de carbono até 2050), e para comprovar uma suposta diminuição das taxas de desmatamento no estado. Tanto o governador quanto seus governantes anunciaram metas ambiciosas em relação ao fim do desmatamento e das emissões de carbono. Na Climate Week, em Nova York, o governador Helder Barbalho prometeu garantir “zero líquido desmatamento até 2036 ″, e sua O Secretário de Estado do Meio Ambiente e Sustentabilidade chegou a afirmar a ambição de que até 2026 o Pará seja um zero líquido emissor de gases de efeito estufa, carbono neutro.

b) A entrega de uma estratégia de bioeconomia estadual. Prometido até a COP 26, o decreto publicado pelo governo do Pará só estabelece as condições para o desenvolvimento dessa estratégia nos próximos 12 meses, com a criação de um grupo de trabalho. Além de não representar um avanço significativo, compatível com a emergência climática que enfrentamos, o documento nem mesmo determina que tipo de atividades são consideradas “sustentáveis”, não privilegia o desenvolvimento econômico tradicional dos povos indígenas amazônicos e atribui poderes desproporcionais a a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMAS), em detrimento dos demais participantes do grupo de trabalho. A Secretaria também é responsável por presidir o Comitê de Gestão do Sistema Estadual de Mudanças Climáticas, que acompanha a política estadual de bioeconomia, além de administrar o Fundo de Garantia da Indústria e do Pequeno Produtor de Bioeconomia do Pará (FGPPIB), também conhecido como BanPará Bio.

Vemos com grande preocupação que o único órgão ambiental estadual com competência para atestar a viabilidade socioambiental dos empreendimentos acumulará as funções de planejamento e monitoramento do Plano Estadual de Bioeconomia e do Plano Estadual de Mudanças Climáticas. A monopolização de todas as pontas das atividades econômicas consideradas pelo governo como “bioeconomia” cria um conflito de interesses para a SEMAS, uma vez que ela passa a ser o órgão responsável por elaborar a dotação orçamentária, definir as atividades prioritárias e aprovar seus respectivos estudos de impacto. Instamos a necessidade de que o órgão avaliador das atividades nocivas ao meio ambiente e à população seja imparcial e tenha como premissa a proteção do meio ambiente e a garantia dos direitos humanos das populações tradicionais.

Por sua vez, destacamos que o Plano Estadual Amazônia Agora (Decreto 941 de 3 de agosto de 2020) também não inclui parâmetros concretos para sua implementação. Apesar de estabelecer metas específicas de redução de GEE, o Plano não explica como essa redução será alcançada, e se essas metas não forem cumpridas até 2036 haverá apenas uma reformulação de novas estratégias, sem previsão de qualquer tipo de sanção ou remediação. 

Nenhum dos decretos mencionados foi transformado em lei. 

Retrocessos e lacunas na prática ambiental atual do Pará

Os exemplos acima mostram que, apesar das inúmeras promessas, os compromissos do governo do estado do Pará permanecem vagos e não oferecem nenhuma evidência concreta de como o estado vai reverter seus quinze anos consecutivos de desmatamento na Amazônia, incluindo o ano atual. 

Esse contexto torna-se ainda mais grave à luz do fato de que o Pará continua a dar centralidade ao mesmo modelo predatório de desenvolvimento que nos conduziu à atual emergência climática. Ano após ano, o estado investe e aprova projetos cujos impactos socioambientais colocam em risco a própria sobrevivência do bioma Amazônia, de seus povos indígenas e comunidades tradicionais. 

Chamamos a atenção para um grande projeto cuja aprovação acelerada pelo órgão ambiental do Pará destaca o peso dessa política de desenvolvimento econômico: o Projeto Volta Grande, que se pretende a maior mineração de ouro a céu aberto no coração da Volta Grande do Xingu.

O Projeto Volta Grande, da canadense Belo Sun, é uma grande ameaça do ponto de vista social e ambiental. O projeto visa ser instalado em uma área ambientalmente sensível que já sofre com a redução da vazão do rio Xingu em decorrência da instalação da hidrelétrica de Belo Monte, que desviou o rio de seu curso natural para gerar eletricidade . Hoje, a região da Volta Grande vive uma situação de total colapso socioambiental com a perda de seus ecossistemas aquáticos, perda da navegabilidade do rio, perda da pesca e perda dos modos de vida das populações tradicionais que ali residem e atualmente vivendo em insegurança alimentar. Permitir a implantação de uma mineradora de ouro, que utilizará processos químicos, explosões e construção de uma barragem de rejeitos, tudo nas margens de um dos afluentes do rio Amazonas constitui ecocídio.

Sem respeitar os princípios da precaução e prevenção e em desacordo com o devido processo para licenciamento ambiental, o órgão ambiental do Pará aprovou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e garantiu a suposta viabilidade ambiental do empreendimento sem realizar Estudos de Impacto sobre povos indígenas e ribeirinhos e sem consulta gratuita, prévia e informada aos povos tradicionais da Volta Grande do Xingu. Apesar de sete ações judiciais e de todas as advertências e resistências a esse absurdo projeto, o Estado do Pará insiste e pressiona para o avanço do licenciamento da mineradora mesmo com evidências claras de falhas na metodologia dos estudos, a ausência de estudos de sinergia e impactos cumulativos com Belo Monte e os altíssimos riscos ambientais devido à engenharia do projeto. Mesmo assim, uma das ações obteve a suspensão da Licença de Instalação do empreendimento, válida até hoje. 

Um dos principais riscos do projeto é o rompimento da barragem de rejeitos, que poderia transformar o rio Xingu no novo rio Doce do Brasil, destruído após o maior desastre socioambiental causado pela mineradora Samarco. Diversos pesquisadores e especialistas renomados vêm criticando e apontando lacunas e falhas nos estudos e levantando questões que o Estado do Pará nunca respondeu. Até mesmo a agência reguladora federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ​​(Ibama), já afirmou que nenhum outro empreendimento na Volta Grande é recomendado em função dos impactos e monitoramento de Belo Monte e, em 2019, o O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou recomendação ao governador do Pará e ao secretário estadual do meio ambiente para suspender todos os processos de licenciamento ambiental de atividades com significativo potencial de degradação ambiental na Volta Grande do Xingu. A suspensão deve ser mantida até que o período de testes planejado para a região seja concluído ou até a capacidade dos ecossistemas locais de suportar o desvio de água realizado para a geração de energia do Belo Monte barragem está confirmada.

Além do descumprimento por parte das autoridades das recomendações do Ministério Público, há indícios de que a própria empresa nem mesmo está cumprindo a decisão judicial que suspendeu sua instalação. Apesar da proibição legal de entrar no território, Belo Sun já atua no controle da área, com a instalação de placas e cercas nas áreas de sua suposta propriedade, restringindo o acesso às áreas de plantio coletivo e às margens dos rios, além de intimidação e coerção de comunidades locais por meio de uma empresa de segurança privada. Nenhuma das infrações acima mencionadas, amplamente documentadas pela Defensoria Pública do Estado, além da resistência local ao projeto e das graves lacunas quanto à viabilidade ambiental do empreendimento, foram levadas em consideração pelo Estado do Pará, que insiste em prosseguir. com o licenciamento aprovado pela SEMAS. 

A postura do principal órgão regulador desse empreendimento, responsável por avaliar, fiscalizar e monitorar seus imensos impactos socioambientais, tem sido priorizar o empreendimento em detrimento dos biomas e das populações atingidas. É extremamente preocupante que este seja o mesmo órgão responsável pela gestão dos planos de bioeconomia, proteção contra o desmatamento e a crise climática.

Conclusão 

Por tudo isso, instamos governos e empresas que desejam fazer negócios com o estado do Pará a atuarem com responsabilidade em seus investimentos. 

Não é uma política verde sem respeito pelos direitos territoriais e culturais e pelo modo de vida das comunidades tradicionais. Portanto, ressaltamos que a prática atual do órgão ambiental do governo estadual, a SEMAS, vai contra a promessa de uma gestão ambiental que se preocupa com o meio ambiente. Sabe-se que cerca de 45% das florestas intactas da Bacia Amazônica estão em terras indígenas, de modo que a SEMAS deve ser obrigada a atuar de forma a integrar a conservação ambiental com a manutenção do modo de vida das comunidades amazônicas. 

Por outro lado, atentamos para o fato de que não existe “desenvolvimento verde” sem a inclusão e participação das comunidades amazônicas. A inclusão dos conhecimentos tradicionais é requisito essencial de qualquer tentativa de bioeconomia na Amazônia, além de ser um direito previsto no artigo 7º da Convenção 169 da OIT. Cabe ao Governo garantir a participação da população na formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-lo diretamente, no respeito à Constituição Federal e a todos os tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil seja signatário.

Em relação à promessa de redução de emissões vinculada ao plano estadual Amazônia Agora, instamos que as unidades de conservação já formalizadas não sejam “reaproveitadas” para justificar a redução dos gases de GEE, mas sim que apenas novas unidades de conservação sejam contabilizadas para que demonstrar redução real. A exemplo da APA Triunfo do Xingu, a unidade de conservação mais desmatada da Amazônia, sob gestão do governo do Pará, a mera criação de uma unidade de criação nem sempre resulta em proteção efetiva da floresta. 

Por fim, em relação ao compromisso relacionado à criação de um crédito de carbono, vinculado ao Plano Estadual Amazônia Agora, instamos que qualquer monetização da conservação ambiental esteja vinculada a ações concretas voltadas para a regulação da atividade predatória na floresta. A proteção da Amazônia não pode se tornar moeda de troca em benefício de grandes indústrias.

Considerando que é fundamental que os recursos para o Estado do Pará cumpram sua real finalidade, e tendo em vista o interesse em contribuir para a preservação da biodiversidade amazônica e a redução das emissões de GEE, recomendamos que Estados e organizações vinculem seus recursos a: 

  1. Obrigação de avaliar a emissão de gases de efeito estufa de todos os projetos em fase de licenciamento, com base no Artigo 21 da Política Estadual de Mudanças Climáticas e nas metas de redução de emissões do Plano Estadual Amazônia Agora;
  2. Obrigação de realizar Consulta Livre, Prévia e Informada aos povos e comunidades tradicionais na fase de concepção e planejamento das diretrizes e projetos de desenvolvimento socioeconômico e de infraestrutura e respeito a todos os princípios da Convenção n. 169;
  3. Inclusão de representantes das comunidades amazônicas nos grupos de trabalho e comitês de gestão da nova Estratégia de Bioeconomia em proporção igual ou maior aos representantes de órgãos estaduais e da iniciativa privada; 
  4. Implementação de uma Avaliação Ambiental Estratégica (SEA) em regiões com comunidades tradicionais impactadas por dois ou mais projetos, de acordo com o relatório do PNUMA sobre as melhores práticas globais em AAE, e o Protocolo sobre Avaliação Ambiental Estratégica da Convenção de Espoo, quando aplicável. 

signatários

Associação Interamericana para a Proteção Ambiental (AIDA)
Movimento Xingu Vivo para Sempre
Amazon Watch
Rios internacionais
Comitê para os direitos humanos na América Latina (CDHAL)
Instituto Socioambiental (ISA)
MiningWatch Canada
Terraplanagem

Com o apoio de

Mandato do Deputado Estadual Marinor Brito - PSOL-PA
Mandato da Deputada Federal Vivi Reis - PSOL-PA

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